Em entrevista, professor Alexandre Trovon conta como foi a produção de livros didáticos para o ensino fundamental na coleção Aplicando a Matemática
No âmbito de uma universidade pública, como a Universidade Federal do Paraná (UFPR), existe um debate constante sobre como aproximar a academia da sociedade. Uma das soluções propostas pelo professor Alexandre Trovon, do Departamento de Matemática, é a produção de livros didáticos. “É muito fácil para nós, professores universitários, criticarmos o ensino básico. Mas o que estamos fazendo por ele?”, provoca.
Desde 1998, o professor produz, em parceria com o professor Lourisnei Reis, livros didáticos para a segunda etapa do ensino fundamental – que vai do 6º ao 9º ano. A coleção, que já teve os nomes de Matemática Inter@tiva e Aplicando a Matemática, é comercializada há quase 20 anos pela editora Casa Publicadora Brasileira e também fez parte do Programa Nacional do Livro e Material Didático, do governo federal.
Com uma proposta diferenciada, os livros abordam a Matemática a partir da resolução de problemas contextualizados e trazem os assuntos em espiral – grau de complexidade crescente ao longo dos anos. “O que pretendemos foi justamente ‘desmistificar’ e mostrar como a Matemática pode ser usada para tomar decisões no dia a dia”, explica o professor.
Confira abaixo entrevista completa com o professor Trovon, que conta como foi o processo de concepção e elaboração dos livros.
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Como surgiu a ideia e o esforço conjunto para a produção da coleção?
Foi a convite do professor Lourisnei Reis, de São Paulo, que já tinha produzido uma coleção de livros didáticos para o ensino fundamental com o professor Orlando Macedo. Ele me procurou em 1998 e me convidou para, juntos, encaminharmos a proposta de uma nova coleção para a Casa Publicadora Brasileira, editora que, na época, estava começando a investir em livros didáticos numa escala maior.
A nossa proposta foi aceita, e a primeira edição foi publicada em 2000, voltada para escolas particulares. A partir do retorno que obtivemos, fizemos ajustes e levamos a coleção para o Programa Nacional do Livro e Material Didático, do Ministério da Educação (MEC), onde ela também foi aceita após um processo de análise por especialistas. Desde então, foram publicadas mais ou menos catorze edições, para escolas particulares e públicas, e feitas cerca de oito reformulações completas do material.
Qual foi a proposta que os senhores construíram na época?
É o que chamamos, hoje, de modelagem matemática. Funciona assim: é dada uma situação, real ou contextualizada. A partir da investigação de como resolver aquele problema, o aluno vai sentindo a necessidade de determinadas ferramentas. Por meio da explicitação destas ferramentas, os conceitos matemáticos vão sendo expostos.
O que motivou essa proposta?
Existe uma crítica generalizada de que a matemática é descontextualizada, muito abstrata e difícil de ser trabalhada no ensino básico. Chega a ser mistificada, muitas vezes. O que pretendemos foi justamente “desmistificar” e mostrar como a matemática pode ser usada para tomar decisões no dia a dia – nas compras de supermercado, por exemplo.
Os senhores também adotaram uma linguagem diferenciada. Por que isso ocorreu?
Na transposição dos conceitos matemáticos, que são acadêmicos, para uma linguagem de sala de aula, algumas ferramentas e terminologias por vezes acabam tomando mais espaço do que o objeto que se pretende estudar.
Por exemplo, ideias acessórias como Mínimo Múltiplo Comum e Máximo Divisor Comum são praticamente irrelevantes do ponto de vista do aluno de ensino básico – ele não precisa dessas construções para efetuar somas ou simplificações de frações. Porém, em sala de aula, algumas vezes ideias como estas acabaram se tornando um tópico em si mesmo. Então tomamos cuidado para focar o estudo no conhecimento necessário ao estudante e não nas ideias acessórias.
O conteúdo da coleção foi trabalhado em “espiral”. Como isso funciona?
Grosseiramente falando, dentro de cada volume, os tópicos podem ser trabalhados de forma um tanto quanto independente – o professor pode, inclusive, escolher a ordem na qual deseja ministrá-los. Entretanto, vários assuntos – como a porcentagem, por exemplo – são tratados ao longo dos quatro anos, cada vez com um grau maior de profundidade e complexidade, como se fosse uma “espiral” que retoma o que foi visto anteriormente e aprofunda.
Qual foi o retorno que os senhores obtiveram das escolas?
Como autores, nós temos um compromisso com as escolas de prestar uma assessoria periódica. Não basta simplesmente produzir e distribuir os livros. Neste contato, nós pudemos constatar que os professores acharam interessante a abordagem de construção do conhecimento a partir da investigação, que é diferente da tradicional.
Por outro lado, eles precisaram traçar estratégias diferentes daquelas a que estão habituados, o que demanda tempo – e nem sempre um professor de ensino público tem este tempo. Alguns deixaram de usar a coleção por este motivo, voltando para o material com o qual estavam mais habituados. A médio prazo, aqueles que acreditaram na proposta e seguiram usando a coleção nos deram bastante retorno. Foi a partir desta troca que pudemos fazer ajustes no conteúdo e organização dos livros.
Qual a importância de elaborar materiais didáticos no meio universitário?
Os alunos que recebemos na universidade são provenientes do ensino básico e, com frequência, chegam até nós sem o grau esperado de conhecimento para acompanhar uma disciplina introdutória do 1º ano. É muito fácil para nós, professores universitários, criticarmos o ensino básico. Mas o que estamos fazendo por ele?
Uma solução, além da formação de professores de qualidade para o ensino básico, é a produção de materiais didáticos. Eu não vejo como não auxiliar o ensino básico se não estou satisfeito com a forma com a qual os estudantes chegam ao superior. Produzir livros didáticos é um processo longo, difícil e que toma tempo – foram 20 anos para chegar no ponto que estamos agora –, mas vale a pena.
Por Giulia El Halabi Lavalle