Exatas UFPR

REJEIÇÃO AO PROGRAMA FUTURE-SE

Declaração do setor de ciências exatas da UFPR Sobre o projeto “Future-se”

O Setor de Ciências Exatas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), reunido em assembleia no dia 2 de agosto de 2019, discutiu publicamente o chamado “Projeto Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se”, proposto em julho de 2019 pelo Ministério da Educação (MEC) e submetido a avaliação pública em meio eletrônico (https://isurvey.cgee.org.br/future-se/).

Após ampla participação da comunidade setorial, de diversas entidades de representação e de membros de outros setores da Universidade, considerou-se importante consignar no presente documento as seguintes avaliações como representativas da comunidade do Setor de Ciências Exatas da UFPR.

Antes de mais nada: as universidades federais são referências intelectuais, científicas, sociais e políticas das cidades em que se encontram; isso é válido tanto para as cidades-sede (Curitiba, no caso da UFPR) quanto para as cidades que têm campi avançados das universidades (também no caso da UFPR: Jandaia do Sul, Matinhos, Palotina, Pontal do Paraná e Toledo).

A UFPR, desde sua fundação em 1912, teve muitas fases; mas em todos os períodos, ela sempre foi um símbolo da cidade de Curitiba e, mais do que isso, o instrumento que o estado do Paraná criou para seu desenvolvimento social, econômico, científico, intelectual e político. Esse legado não pode ser desprezado ou destruído: ao contrário, tem que ser preservado e ampliado. Em particular, a federalização da UFPR, em 1951, foi uma conquista para a instituição, pois foi um importante reconhecimento acadêmico e político para ela – e, não menos importante, estabeleceu um orçamento robusto e constante para a universidade, garantindo sua permanência e sua expansão ao longo do tempo.

De maneira sintética, as características do projeto “Future-se” são as seguintes: (1) ele seria uma opção para ampliar a autonomia administrativa, orçamentária e pedagógica das IFES, (2) via instituições empreendedoras e inovadoras; (3) as IFES aderentes atuarão transformando-se em organizações sociais (OS), isto é, entidades privadas, com contratos de gestão, (4) cujo financiamento ocorrerá (4.1) via fundos de investimento imobiliários, (4.2) venda da marca comercial de cada IFES e (4.3) busca ativa de investimentos variados; finalmente, (5) cada IFES tem que se adequar a critérios de governança.

As características acima são apresentadas no projeto do “Future-se” com variados graus de detalhamento. Essa variação permite que alguns aspectos sejam tratados sem ambiguidade e em minúcias (em particular, o fim das IFES como instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão e também o ato formal de estabelecimento de contratos de gestão), enquanto muitos outros sejam tão somente citados, gerando as mais amplas e variadas dúvidas. Nesse sentido, entre as dúvidas, sem esgotar as dificuldades encontradas no projeto, podemos citar que (1) não se indica se as IFES (aderentes ou não) continuarão tendo o financiamento público integral de suas atividades, via orçamento da União; (2) não se fala sobre o que acontecerá com as IFES que não aderirem ao “Future-se” (em termos de orçamento público e de autonomia administrativa, orçamentária e pedagógica); (3) não se fala sobre o que acontecerá com a IFES que, por qualquer motivo, após um período qualquer de teste do projeto, decida reverter à situação jurídica anterior (como entidade de direito público); (4) não se define com clareza qual o âmbito de cada IFES que se transformará uma OS (a IFES em sua totalidade, cada faculdade, cada departamento etc.); (5) não se define se será possível a uma determinada faculdade (ou um departamento etc.) sair da OS para ter existência à parte (como entidade de direito privado ou público).

Em outras palavras, o projeto “Future-se” acaba revelando-se bastante vago a respeito de tópicos centrais. As IFES têm escritórios internos e fundações de direito privado dedicados à inovação e ao relacionamento com o mercado, resultando em inúmeros convênios e serviços prestados aos empresários. Esses relacionamentos, além disso, ocorrem em variados âmbitos: estágios didático-profissionais para os estudantes ou serviços e pesquisas tecnológicos, técnicos e sociais prestados para o setor produtivo. De qualquer maneira, importa notar que, historicamente, embora haja convênios da iniciativa privada com as IFES, esses convênios resultam na entrada de relativamente poucos recursos para as instituições; inversamente, o grande patrocinador externo de pesquisas nas universidades é o próprio governo, por meio de empresas públicas, estatais e economia mista. Aliás, isso repete no Brasil o que se vê também nos Estados Unidos e na Europa. Além disso, os convênios que a iniciativa privada geralmente celebra com as IFES caracterizam-se pela busca de soluções tecnológicas específicas, o que é legítimo e necessário, mas que passa longe do investimento em pesquisas básicas ou em áreas que são mais dificilmente objeto de interesse comercial (nas Ciências Naturais ou nas Ciências Humanas). Finalmente, vale observar que os recursos que as universidades obtêm, por meio de captação direta do setor privado, têm sido cada vez mais retidos pelo MEC, em vez de serem revertidos para as instituições.

No que se refere à governança, as IFES são financiadas com recursos públicos e, portanto, sempre se impôs o imperativo da contínua busca de maiores eficácia e eficiência, transparência e respeito ao bem comum. Isso se verifica na prática por meio de constantes fiscalizações, auditorias, avaliações internas e externas etc., obedecendo aos melhores parâmetros nacionais e internacionais.

As IFES não se recusam a discutir seus problemas e as suas possíveis soluções. As instituições apresentam problemas; não há segredo a respeito disso. Eles são conhecidos da sociedade civil, do governo e das próprias IFES; muitos são antigos, outros são novos, mas todos exigem solução, alguns com grande urgência. O “Future-se”, na forma que se apresenta, não é solução para esses problemas: ele apenas procura desfazer-se desses problemas, ao tirar as IFES da estrutura do Estado e lançá-las ao mercado.