Michele não chegou na Ciência da Computação por acaso. Já aos 16 anos passou no vestibular, mas quase caiu de paraquedas em uma área diferente: a Odontologia. Quando a vocação falou mais alto, Michele optou em cursar Ciência da Computação na Universidade Estadual do Ceará. Fez mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais, doutorado na Universidade de Sorbonne, na França, e Pós-doutorado na Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos.
Foi em 2010 que Michele chegou na UFPR como professora visitante. Chegou para ficar. Assim que abriu concurso público a pesquisadora se inscreveu e foi aprovada, tornando-se professora efetiva naquele mesmo ano. A escolha pela UFPR também não foi por acaso. Para Michele, além da universidade ser uma das melhores do país, é também espaço que oferece liberdade aos pesquisadores e incentiva professores. “Hoje eu acho que estou passando por uma fase que a realização surge mais em ver os alunos crescerem. De ver o diferencial deles no mestrado, por exemplo. Acho que isso é o que dá mais retorno para o professor”, afirma.
Grupo CCSC
Michele não começou a carreira com o objetivo de ser pesquisadora. Aconteceu. Muito por isso, a pesquisa é hoje o fio condutor de seu trabalho dentro e fora da UFPR. Atualmente, a professora é líder do Centro de Ciência e Segurança Computacional (CCSC), grupo de pesquisa criado para estudos sobre segurança cibernética.
“A ideia é desenvolver pesquisas mais fundamentais no sentido de ter a matemática aplicada, que é a base da Ciência da Computação, evoluir essas pesquisas no desenvolvimento de algoritmos, protocolos e sistemas para segurança de redes de computadores, e então fazer a transferência tecnológica para a sociedade”, explica a professora.
O grupo conta hoje com a participação de 3 professores: Michele, Aldri luiz dos Santos e André Luiz Pires Guedes. Também conta com o envolvimento de cerca de 15 alunos do Programa de Pós-Graduação em Informática, um pesquisador do Pós-doutorado e também colaboradores de outras universidade, como da Universidade Federal de Juiz de Fora e a Universidade de Ottawa, no Canadá.
Duas frentes de enfrentamento
Como pesquisadora, Michele relata que vivencia cotidianamente dois enfrentamentos: o de fazer pesquisa no Brasil e o de ser mulher no campo científico. Para ela, o país passa por um período crítico. Em agosto deste ano, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sinalizou, em ofício enviado ao Ministério da Educação (MEC), que cerca de 93 mil bolsas de pesquisadores e pós-graduandos e 105 mil destinadas aos programas de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e de Residência Pedagógica poderiam ser suspensas com o orçamento da agência em 2019. O comunicado desencadeou uma mobilização em todo o país em defesa da produção científica brasileira.
Michele explica que a falta de recursos para a ciência pode ocasionar um impacto comprometedor em uma pesquisa. Ela relata que um corte orçamentário faz com que falte ao pesquisador recursos imprescindíveis para o desenvolvimento da pesquisa, tais como recursos humanos (por meio das bolsas oferecidas). Isto impede o avanço no estudo, prejudicando os próximos anos. “Retomar o progresso na pesquisa após cortes orçamentários requer um esforço muito maior, podendo levar alguns anos após reestabelecer os fomentos. Não é realista imaginar que cortes orçamentários irão impactar apenas aquele ano da pesquisa. Não é bem assim, é mais complicado que isto”, conclui.
No outro lado, mas ainda na mesma balança, a pesquisadora ressalta a presença da mulher na produção científica, principalmente na sua área de trabalho. Ela conta que na sua graduação, dos 50 alunos da turma apenas 5 eram mulheres, sendo que, somente Michele e mais uma colega concluíram o curso. Num ambiente majoritariamente masculino, um ponto fora da curva: “sempre fui respeitada, sempre tive minhas opiniões colocadas e ouvidas. Nunca tive preconceito por ser mulher no curso de exatas, mas sei que isso acontece. Sempre lidei muito bem com o ambiente, apesar de ser expressivamente masculino”, conta Michele. Ainda assim, a pesquisadora defende a importância de eventos, reuniões e atividades para incentivar cada vez mais a participação das mulheres no campo científico.
Além da UFPR
“Eu tenho essa motivação, de trazer os resultados das pesquisas para a sociedade”, define Michele. A professora sabe que o trabalho de um pesquisador transcende a UFPR. É por isso que, no ano de 2017, Michele participou do programa “Cientistas na Escola”, criado pela Prefeitura Municipal de Curitiba, que abre as portas das escolas municipais para pesquisadores. O objetivo é incentivar crianças do Ensino Fundamental a conhecerem a carreira de cientista e abraçarem a prática do estudo.
Além de atuar fora da universidade, Michele tenta impulsionar que suas pesquisas tenham benefícios sociais. Nessa linha de estudo, a professora desenvolve um projeto de segurança associado ao monitoramento de saúde das pessoas. Para explicar a funcionalidade, ela conta que, a partir da pesquisa, seria possível prever sintomas com antecedência, como por exemplo um ataque cardíaco, e transmitir a informação de forma prioritária para um médico, ou um familiar da pessoa.
É nesse campo que Michele publicou, no ano de 2010, o livro “Saúde Móvel: Conceitos, Iniciativas e Aplicações”, primeira publicação brasileira que trata de comunicação sem fio na área da saúde. “A ideia era trazer as potencialidades da rede sem fio para os cuidados da saúde. Na época isso era meio futurista, e hoje vemos que é uma área que está despontando. O livro tinha a intenção de apontar essas inovações que estavam surgindo”.
Para Michele, seu trabalho não se resume em poucas palavras. Diante de toda essa trajetória, ela segue acreditando que o papel da universidade é a geração do conhecimento. Um ciclo que surge a partir da pesquisa brasileira e através da liberdade e incentivo aos professores.
Por Maria Fernanda Mileski